Congresso promulga maior reforma tributária desde a ditadura; desafio agora é regulamentação

BRASÍLIA - Em sessão solene histórica, o Congresso Nacional promulgou nesta quarta-feira, 20, a maior reforma tributária no Brasil desde a ditadura militar

Fonte:

 

 A emenda constitucional que muda a tributação sobre o consumo no País foi aprovada na última sexta-feira, 15, após mais de 30 anos de debate. O desafio agora será a regulamentação por meio de leis complementares, que serão enviadas pelo governo ao Legislativo em 2024.

A cerimônia de promulgação contou com a presença de autoridades como o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o vice-presidente Geraldo Alckmin, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Luís Roberto Barroso, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, além dos presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG). Estava presente também a ministra do Planejamento e Orçamento, Simone Tebet - a única mulher sentada à mesa do plenário, ao lado de dez homens.
O presidente Lula destacou que, com a aprovação da reforma, o Congresso demonstrou “compromisso com o povo brasileiro”. “Não precisa gostar do governo, gostar do Lula, mas guardem essa foto, e se lembrem: contra ou a favor, vocês contribuíram para esse País, na primeira vez no regime democrático, aprovar uma reforma tributária”, afirmou. O presidente foi aplaudido e vaiado ao dizer que o crescimento melhorou e a inflação caiu em seu primeiro ano de mandato.

O momento da promulgação do texto foi marcado por embates entre oposição e governo, que alternavam gritos de guerra no plenário. De um lado, governistas gritavam “Lula, guerreiro, do povo brasileiro”. De outro, se ouviam gritos de “ladrão” e “cachaceiro”.

“Esperava que seria um dia de consagração dessa Casa (...). Pediria a essa Casa que se terminasse essa sessão com maior nível de respeito possível. Essa Casa representa o Brasil. E é um dia histórico. Vamos guardar convicções para sessões normais do plenário. Vamos fazer o máximo possível para nos comportamos”, afirmou Arthur Lira.

“Foram 40 anos de espera que transformaram nosso sistema tributário num manicômio fiscal. Não havia mais tempo a esperar. O Brasil merecia um sistema tributário organizado, eficiente, justo e que se transformasse em um dos pilares para o desenvolvimento. É a primeira ampla mudança do sistema tributário nacional feita no regime democrático”, disse o presidente da Câmara. Ele fez deferência a Haddad, a quem chamou de “parceiro constante dessa luta”.

O momento da promulgação do texto foi marcado por embates entre oposição e governo, que alternavam gritos de guerra no plenário. De um lado, governistas gritavam “Lula, guerreiro, do povo brasileiro”. De outro, se ouviam gritos de “ladrão” e “cachaceiro”.

“Esperava que seria um dia de consagração dessa Casa (...). Pediria a essa Casa que se terminasse essa sessão com maior nível de respeito possível. Essa Casa representa o Brasil. E é um dia histórico. Vamos guardar convicções para sessões normais do plenário. Vamos fazer o máximo possível para nos comportamos”, afirmou Arthur Lira.

“Foram 40 anos de espera que transformaram nosso sistema tributário num manicômio fiscal. Não havia mais tempo a esperar. O Brasil merecia um sistema tributário organizado, eficiente, justo e que se transformasse em um dos pilares para o desenvolvimento. É a primeira ampla mudança do sistema tributário nacional feita no regime democrático”, disse o presidente da Câmara. Ele fez deferência a Haddad, a quem chamou de “parceiro constante dessa luta”.

A reforma institui o Imposto sobre Valor Agregado (IVA) dual: um do governo federal e outro de Estados e municípios. O novo modelo de tributo tem por princípio a não cumulatividade plena, ou seja, impede a chamada “tributação em cascata”, que hoje onera consumidores e empresas.

Serão três novos tributos: o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), substituindo o ICMS dos Estados e o ISS dos municípios; a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), que substitui PIS, Cofins e o IPI, que são federais; e o Imposto Seletivo, que incidirá sobre produtos danosos à saúde e ao meio ambiente.

Também faz parte da espinha dorsal da reforma o deslocamento da cobrança dos tributos da origem (onde a mercadoria é produzida) para o destino (onde é consumida). Com essa nova sistemática, a reforma promete colocar fim à guerra fiscal entre os Estados, na qual governadores concedem incentivos fiscais para atrair investimentos aos seus territórios - uma anomalia brasileira, que se perpetua por décadas.

Com a reforma, a expectativa é de que o Brasil entre num novo ciclo de aumento da produtividade, do investimento e do Produto Interno Bruto (PIB). A mudança, no entanto, não será de uma hora para outra, pois haverá um período de transição, que terá início em 2026, levando à extinção dos tributos atuais em 2033. Já a transição da tributação na origem (onde a mercadoria é produzida) para o destino (onde é consumida) durará 50 anos.

O potencial de crescimento é considerado difícil de mensurar, mas a aposta é de que o avanço de se unificar a base de tributação entre bens e serviços será muito maior do que o prejuízo advindo das exceções aprovadas pelo Congresso e que podem levar a alíquota do IVA a uma das maiores do mundo.

Esse, inclusive, é um ponto que segue em aberto. O ministro Haddad afirmou que a Fazenda vai recalcular os impactos das mudanças feitas na Câmara, mas indicou que a alíquota-padrão deve permanecer em torno de 27,5%.

Leis complementares

O governo terá um prazo de 180 dias para elaborar os projetos que serão enviados ao Congresso para regulamentar as novas regras de tributação do consumo, mas o secretário extraordinário do Ministério da Fazenda para a reforma, Bernard Appy, planeja concluir os textos antes do fim do prazo, com um trabalho conjunto da União, Estados, municípios e parlamento.

Arthur Lira, um dos fiadores da reforma, já alertou que essas legislações trarão os “detalhes mais agudos” do novo sistema e, portanto, exigirão atenção redobrada. “No primeiro dia legislativo de 2024, começaremos a discutir a indispensável legislação complementar”, disse o presidente da Câmara nesta quarta na cerimônia de promulgação.

Essas leis vão definir, por exemplo, a alíquota do IVA dual. Também será por meio da regulamentação que ficará mais claro como funcionarão os regimes diferenciados e as alíquotas reduzidas para determinados setores - que se multiplicaram no texto em meio aos lobbies de diversos setores econômicos.

No ano que vem, governo e Congresso também definirão, por meio de lei complementar, a atuação do Comitê Gestor do IBS, que distribuirá os recursos arrecadados para Estados e municípios; a composição da cesta básica nacional, de grande interesse do agronegócio e do setor supermercadista; o sistema de cashback (devolução de tributos), previsto para a conta de luz e o gás de cozinha; e a implementação do Imposto Seletivo.

O tamanho do fundo da Amazônia e do fundo ligado à região Norte - que inclui Acre, Rondônia, Roraima e Amapá - também dependerá dessas futuras leis. Ao todo, serão quatro fundos bancados pela União que beneficiarão Estados e municípios. Um impacto expressivo no Orçamento federal, para o qual ainda não existe fonte de financiamento.

Em meio a tantas pendências, Lira já sinalizou a possível criação de grupos de trabalho para dar celeridade à tramitação dessas leis complementares. O modelo de grupo de trabalho foi o escolhido pelo presidente da Câmara para acelerar o andamento da reforma neste ano.

Segundo Appy, será importante um trabalho conjunto preliminar entre União, Estados e municípios para a elaboração dos projetos, também com a criação de grupos de trabalho para definir os principais pontos que estarão nos textos que seguirão ao Congresso.

Esse trabalho terá três eixos principais: a parte estrutural lidará com fato gerador, base de cálculo e modelo de cobrança; o tratamento dos regimes específicos trará a definição clara dos bens e serviços nas alíquotas reduzidas; e, por fim, o comitê gestor será um projeto mais relevante para Estados e municípios do que para a União.

Do ponto de vista da tramitação, as leis complementares tendem a ser mais fáceis para o governo, já que é necessário o apoio de no mínimo 257 deputados e 41 senadores, menos que os 308 votos na Câmara e 49 no Senado para passar Propostas de Emenda à Constituição (PEC), como a da reforma tributária. A exigência de um quórum menor, no entanto, não deixa o assunto menos espinhoso e delicado.